Prefeitura culpa ‘chuva exagerada’ por reajuste milionário dos contratos com empresas investigadas
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A prefeitura de Campo Grande informou que os reajustes por meio de termos aditivos às empreiteiras que locam maquinários e cuidam das ruas sem asfalto do município e que têm sido investigadas pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) por suposta organização criminosa surgida para a prática de crimes de peculato, corrupção, fraude à licitação e lavagem de dinheiro, foram ofertados “por conta da chuva acima do normal” que cai sobre a cidade.
Nas edições de ontem, segunda-feira (11) e hoje, constam no Diário Oficial que a prefeitura de Campo Grande firmou termos aditivos com duas empreiteiras investigadas, a ALS Transportes, do empreiteiro André Luís dos Santos, o Patrola e Engenex, cujo dono é Edcarlos Jesus Silva. Os reajustes, somados, alcançaram a soma de ao menos R$ 2,5 milhões.
As empreiteiras, segundo a Cascalhos de Areia, operação do MPMS desencadeada na primeira quinzena de junho passado, estariam recebendo pelos contratos, mas sem, de fato, efetuar os serviços.
COMUNICADO DA PREFEITURA
De acordo com comunicado emitido pela assessoria de imprensa da prefeitura de Campo Grande, divulgado na tarde desta terça, “a administração municipal sempre tem se pautado na transparência, legalidade e busca permanente da melhoria do atendimento às reivindicações da população. Os contratos com as referidas empresas foram aditivados por causa do aumento considerável da demanda por conta da chuva acima do normal, que causa a necessidade de serviços de manutenção das vias com maior frequência”.
“Trata-se apenas de uma estimativa. E não há nenhuma decisão judicial determinando qualquer alteração no contrato em andamento”, concluiu a prefeitura, que pouco ou nada mencionou sobre as investigações do MPMS.
VISÃO DIFERENTE
A empreiteira de André, o Patrola, também presta serviço ao governo de MS e, assim que o MPMS divulgou que tinha sido incluída nas investigações da Cascalhos de Areia, teve suspenso o contrato de uma obra que tocava na região do Pantanal.
O presidente da Câmara dos Vereadores de Campo Grande, Carlos Augusto, o Carlão, do PSB, criou uma comissão que hoje analisa os contratos com as empreiteiras, tidas como suspeitas.
Carlão, ao Correio do Estado, na tarde desta terça, comentou os reajustes, mas de modo ponderado.
Para ele, as empreiteiras têm sido investigadas, mas pelo que sabe, o Tribunal de Contas de MS, não pediu “a suspensão dos contratos”. Ele afirmou ainda que a comissão da Câmara não achou até agora irregularidades nos contratos já examinados e que a apuração segue. “Mas, se tiver falhas, a Câmara deve agir”.
Já o presidente da comissão, o vereador Ayrton de Araújo (PT), na sessão desta terça, questionou não apenas a investigação, mas também o fato de o serviço das empreiteiras não ser prestado com efetividade pela empresa de Patrola [o empreiteiro e um dos investigados pelo MPMS] e fez um trocadilho com o apelido do empresário.
“Vou questionar aqui porque, primeiro, o município não tem cascalho, as ruas de Campo Grande só estão sendo na patrola”, disse.
“Aí nessa segunda-feira a Sisep (Secretaria Municipal de Insfraestrutura e Serviços Públicos) publicou um termo aditivo em contrato polêmico com o Patrola, de mais de R$ 1 milhão, para cascalhamento, mas não tem cascalho, só patrola. Tem que tomar o maior cuidado com esse tipo de aditivo onde já tem empresa sendo investigada, tem que tomar cuidado com o dinheiro público”, afirmou Araújo, o líder do PT na Câmara dos Vereadores.
Luíza Ribeiro, também parlamentar petista na Câmara, disparou um discurso em tom mais inflamado.
“Eu acho que nós devíamos requerer ao Tribunal de Contas do Estado para que se pronuncie se essa conduta da gestão municipal é adequada, porque o que nós estamos vendo é que é temerário permanecer fazendo aditivos e usando contratos que estão investigados por desvio, por corrupção, lavagem de dinheiro, uma série de questões”.
A vereadora acrescentou também que:
“O governo do Estado, assim que a investigação começou, tomou uma decisão através da Agesul e suspendeu todos os contratos investigados [com a empresa de Patrola], então nós achamos que nesse mesmo sentido deve atuar a prefeitura de Campo Grande, ou seja, suspender as empresas que estão com suspeita grave de corrupção e de outros crimes graves com o recurso público”, concluiu.
CONSTITUCIONALISTA DIZ
Consultado pelo Correio do Estado, o advogado constitucionalista André Borges comentou o reajuste da prefeitura:
“Investigação ou processo em curso não impedem contratação com o poder público. Aplica-se a presunção constitucional de inocência. Talvez fosse o caso apenas da prefeitura investigar o assunto da denúncia. Ou colaborar com a investigação. Mas se tiver apurado ou tiver sido informada sobre algo de grave e consistente também é seu dever suspender contratos ou não assinar aditivos”, opinou o advogado.
O constitucionalista assim arrematou o raciocínio acerca dos termos aditivos subscritos com as empreiteiras investigadas:
“Sempre deve prevalecer o interesse público – ou seja, obras públicas devem ser realizadas, desde que observadas a probidade e decência, de todos os envolvidos”.
CASCALHOS DE AREIA
A operação do Ministério Público apontado supostas irregularidades nos contratos que superavam os R$ 300 milhões para aluguel de máquinas e manutenção de ruas sem asfalto foi deflagrada no dia 15 de junho e até agora não houve conclusão.
Naquela data foram cumpridos 19 mandados de busca e apreensão e tanto endereços ligados a Patrola quanto a Edcarlos foram alvos da operação, que investiga “possível organização criminosa estabelecida para a prática de crimes de peculato, corrupção, fraude à licitação e lavagem de dinheiro”, conforme nota publicada pelo MPE naquele dia.
A principal suspeita do Ministério Público, conforme denúncia apresentada por servidores municipais, é de que os serviços de manutenção não são realizados e mesmo assim as empresas recebem os pagamentos normalmente.
Além disso, acreditam os promotores, a empresa que faz a locação de máquinas e veículos nem mesmo dispõe dos equipamentos que diz estar locando para o poder público municipal.