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Após informar que levaria até 30 dias para concluir sua fiscalização do processo eleitoral, o Ministério da Defesa promete entregar já nesta quarta-feira, 9, o relatório com suas conclusões. O prazo encurtado atende as pressões do presidente Jair Bolsonaro, que trocou os holofotes pelos bastidores desde que perdeu a disputa para o petista Luiz Inácio Lula da Silva, no último domingo. Nas poucas declarações que concedeu de lá para cá, o presidente insinua que o dossiê dos militares pode alterar o jogo. “Brevemente teremos as consequências do que está acontecendo”, afirmou ele, na última segunda-feira.

Como revelou o Estadão, o Comando do Exército não tem intenção de questionar o resultado das urnas, mas deve apresentar ressalvas, como a de que nenhum sistema informatizado está 100% blindado e precisa de aprimoramento. Bolsonaro explora essa informação politicamente, dizendo que o risco de fraude é “quase zero, mas não é zero”. Grupos de apoiadores do presidente lotam as portas de quartéis na expectativa de que o relatório mude o resultado da eleição.

O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, alimentou ontem as especulações em torno do dossiê. Na primeira entrevista coletiva desde que foi condenado no escândalo do mensalão, em 2012, Costa Neto disse que a legenda não quer contestar o resultado, mas Bolsonaro poderá fazê-lo se tiver “algo real na mão”. Já o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin disse que o relatório do Ministério da Defesa é assunto para o Judiciário. “Não tenho nenhuma informação sobre esse relatório. Agora, quem cuida disso é o Poder Judiciário, que tem uma Justiça especializada para isso, que é a Justiça eleitoral”, afirmou o vice.

A atribuição sobre o resultado das eleições é do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os militares dizem ver seu papel como o de uma entidade fiscalizadora do processo apenas para aperfeiçoar a segurança dos pleitos. Num contraponto a eventuais questionamentos, o Tribunal de Contas da União (TCU) já divulgou dois relatórios e descartou qualquer irregularidade na votação e apuração deste ano.

O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, reiterou por diversas vezes que a função das Forças Armadas era de contribuir para melhorar o processo de votação. Em comunicado oficial, em 18 de outubro, disse agir à luz da Resolução 23.673/21, do TSE, fiscalizando o sistema eletrônico a convite do próprio tribunal e não se dedicando a uma auditoria propriamente dita.

O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, ao falar do trabalho de fiscalização das Forças Armadas na eleição durante audiência no Senado em julho. Foto: Divulgação / Senado

O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, ao falar do trabalho de fiscalização das Forças Armadas na eleição durante audiência no Senado em julho. Foto: Divulgação / Senado© Fornecido por Estadão

Em 14 de julho deste ano, quando foi ao Senado, o ministro projetou num telão uma apresentação com o título “A Colaboração das Forças Armadas para Aperfeiçoamento da Segurança e da Transparência do Processo Eleitoral Brasileiro”. Naquele dia, fez um histórico das perguntas e sugestões que haviam sido enviadas ao TSE pelos militares.

Ao final, resumiu o pedido do ministério em três itens: realização de teste de segurança no modelo 2020 da urna eletrônica; testagem das urnas no dia da votação, com acionamento feito por digitais dos eleitores, e auditoria dos partidos mais efetiva.

Trecho de apresentação feita pelo ministro da Defesa no Senado em julho deste ano Foto: Reprodução

Trecho de apresentação feita pelo ministro da Defesa no Senado em julho deste ano Foto: Reprodução© Fornecido por Estadão

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Quando assumiu em agosto a presidência do TSE, o ministro Alexandre de Moraes concordou em atender os pleitos dos militares. A urna 2020 foi submetida à inspeção por peritos de universidades federais; o teste piloto com participação de eleitores foi realizado em seções eleitorais dos dois turnos de votação e os partidos puderam realizar a auditoria, respeitadas as regras eleitorais.

Os resultados dos testes dos quais participaram os eleitores, como pediram os militares, foram divulgados após cada turno. Em vez de o chamado teste de integridade ser totalmente realizado em um ambiente controlado, e por servidores da Justiça Eleitoral, uma parte ocorreu nas seções. Desta forma, eleitores acionaram urnas com o objetivo de simular uma votação para o teste de segurança.

Cabia aos voluntários tão somente liberar os equipamentos com a impressão digital. Todo o procedimento seguinte do teste continuou a cargo de servidores. Nos locais de votação onde foram realizados os testes com biometria, militares, policiais federais e técnicos da Controladoria-Geral da União (CGU) acompanharam o passo a passo.

Simulação de teste de segurança no dia da votação no primeiro turno em Brasília Foto:

Simulação de teste de segurança no dia da votação no primeiro turno em Brasília Foto:© Fornecido por Estadão

Nessa etapa de verificação da integridade das máquinas, urnas são sorteadas para receber votos específicos, pré-registrados. Eles não entram no somatório oficial. O resultado apontado pela máquina é, em seguida, confrontado com a lista prévia.

A adesão voluntária de eleitores ao teste de biometria foi considerada baixa. No primeiro turno, foram 2.044 pessoas. Os militares pediram que o TSE se organizasse para convidar pessoas a dar sua contribuição. O pedido foi negado. A Corte Eleitoral observou que não poderia forçar eleitores a participar do teste piloto.

Boletins de urnas

O relatório que será entregue pela Defesa ao TSE consiste no resultado de uma análise feita pelos militares sobre os boletins de urnas de 462 seções eleitorais. Eles são impressos pelos equipamentos ao fim das votações e informam os totais de votos de cada candidato, registrados ao longo do dia naquela respectiva urna.

O objetivo inicial era simplesmente constatar se o resultado que a urna imprime no boletim é o mesmo que a Justiça Eleitoral envia para a totalização oficial dos votos. Nove dias após a declaração oficial dos resultados, a verificação dos militares tornou-se inócua. Isso porque o TCU realizou uma inspeção semelhante, mas com amostragem muito superior à dos militares.

No primeiro turno, o TCU analisou boletins de 4.161 urnas. No segundo, mais 604. Nas duas etapas nenhuma única divergência foi encontrada. Ou seja, todos os votos que as urnas receberam e imprimiram nos boletins foram corretamente enviados para a totalização oficial do TSE.

A análise de boletins de urna passa ao largo da queixa central feita há meses pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre a segurança dos equipamentos. Na reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada em que lançou suspeitas sobre a votação eletrônica, em julho, o presidente focou em ataques cibernéticos contra o sistema. Ameaças de hackers, contudo, não entraram no primeiro grau de preocupação de militares.

Na semana passada, uma nova narrativa falsa foi levantada por apoiadores de Bolsonaro para tentar colocar em xeque o resultado que impôs uma inédita derrota ao presidente que tentava a reeleição. A partir de um dossiê apócrifo, um canal do YouTube controlado por um argentino próximo da família Bolsonaro falou em problemas em modelos antigos de urnas eletrônicas, anteriores a 2020. As alegações são falsas e partem de premissa errada.

Segundo a teoria conspiratória, urnas de modelos anteriores não teriam sido submetidas a teste e, com isso, computavam mais votos para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o presidente eleito. A versão é falsa. Todas as urnas usadas nas eleições foram submetidas a testes.

Nesta terça-feira, 8, o TCU se manifestou sobre o dossiê apócrifo e classificou o questionamento sobre os modelos como irrelevante. A Corte ressaltou que a discussão sobre modelos “novos” e “antigos” das urnas sequer foi levantada na auditoria feita pelos técnicos do órgão porque, durante todo o período de análise das informações, não foram encontradas divergências. Entre as milhares de urnas usadas pelo TCE para análise dos boletins impressos, 2.630 eram de modelos anteriores ao de 2020.