Jornalista e escritor Sérgio Cruz lança seu 8º livro sobre a história de Campo Grande
- Fonte:
A linguagem direta e o apelo jornalístico dos fatos narrados em “Campo Grande – 150 Anos de História” proporcionam ao oitavo livro de Sergio Cruz, um calhamaço de quase 500 páginas, um agradável sabor de almanaque.
No volume, desde o primeiro aventureiro a montar acampamento nos domínios do atual território da cidade, em 1867, à primeira vítima fatal da Covid-19, todos os relatos parecem extraídos de um jornal.
E muito do que se lê, de fato, foi recolhido em periódicos; por mais que na introdução da obra o autor não deixe de elencar o nome de memorialistas, cronistas e analistas a quem recorreu como fonte bibliográfica ou como testemunha ocular da história, por meio de depoimentos colhidos diretamente ao longo de décadas.
TEMÁTICAS
A história local – dos Matos Grossos e do estado uno – é uma fixação literária que o autor acabou herdando de sua porção jornalista. Desde o primeiro livro, “Guerra ao Contrabando – Depoimento de Um Sobrevivente” (1984), ao último lançamento, “Sangue no Oeste – Mortes e Crimes Violentos na História de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul” (2022), Sergio Cruz nunca escondeu a faceta de repórter investigativo, mais afeito à pauta policial, por vezes no extremo do jargão “espreme que sai sangue”.
Mas com espaço para retrospectos e panoramas de maior amplitude temática, a exemplo de “Pantanal, Estado das Águas (2000)”, “Datas e Fatos Históricos, do Sul de Mato Grosso ao Estado do Pantanal” (2004) e “Calendário Histórico de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul” (2020).
Então, na nova obra sobre a Capital se destaca a já secular tradição de violência de Campo Grande, ao noticiar a morte de um italiano “a cacetadas” em 1885, não deixando de registrar na mesma resenha que somente em 6 de maio de 1889 a cidade contaria com a sua primeira subdelegacia. Sim, tem assassinato aos montes em “Campo Grande – 150 Anos de História”, inclusive, o do prefeito Ari Coelho, em Cuiabá, em 21 de novembro de 1952.
Mas também estão lá, por exemplo, o controverso impeachment do prefeito Alcides Bernal, em 2014, e detalhes do início da operação da estrada de ferro (“A Chegada da Primeira Maria-Fumaça”), em 28 de maio de 1914, com a devida menção ao encerramento das atividades da ferrovia, em 10 de junho de 2015, e do sistema aeroviário, em 1929, com a aterrissagem de um monomotor alemão conduzido por dois “pilotos amestrados”.
E, ainda, assuntos mais amenos, como o nascimento do professor J. Barbosa Rodrigues, em Minas Gerais, em 30 de junho de 1916, e do ex-presidente Jânio Quadros, em Campo Grande, em 25 de janeiro de 1917; se bem que entremeados, na linha do tempo do volume, por mais uma morte: o assassinato do padre José Joaquim de Miranda, o primeiro vigário da cidade, em 16 de julho de 1916.
CRITÉRIOS
“Adotei o critério jornalístico para definir os verbetes a serem aproveitados. Na linha do tempo, para conhecer os fatos, arbitrar a importância dos eventos, trabalhei, sempre que possível, todas as versões disponíveis, de modo que o leitor possa formar o seu juízo de valor sobre cada fato. Tentei fazer de cada ocorrência a transcrição de uma notícia, com a sensação de estar lendo o jornal do dia seguinte”, afirma Sergio Cruz.
“O formato segue a orientação editorial de não interferir nos fatos. Minha função, aparentemente cômoda, limitou-se a escrever o lead de cada matéria. Para os fatos de 1963 em diante, vali-me muito do meu tempo de Campo Grande, como profissional de imprensa e político militante. Os fatos anteriores à minha chegada na cidade, fui buscar na memória dos outros e nas fontes convencionais”, conta o jornalista, que, por três vezes, exerceu atividade parlamentar.
A PESQUISA
Sempre pelo MDB, Sergio Cruz foi, por dois mandatos, deputado estadual (1975-1979 e 1979-1982) e atuou como deputado federal por Mato Grosso do Sul de 1983 a 1987. Nascido em Salgueiro (PE), no ano de 1942, o jornalista e também cientista político, que se tornou bastante conhecido pelo jargão radiofônico “pau na mula”, diz que a ideia da obra lançada este mês é antiga.
“Há muitos anos venho me ocupando da história da cidade e do Estado. Faço este ano para ter uma referência, o sesquicentenário da chegada a Campo Grande do pioneiro José Antônio Pereira”, diz o escritor.
“A pesquisa começou em 1975. Como deputado estadual, ainda no Mato Grosso uno, por ocasião da expectativa da divisão do Estado, para defender a proposta, passei a buscar informações, a princípio tendo como fonte historiadores, cronistas e memorialistas, como J. Barbosa Rodrigues, Ulisses Serra e Paulo Coelho Machado. Depois a imprensa escrita, que tem o acesso dificultado por falta de digitalização disponível”, afirma.
“Não descartei nenhum verbete. Houve, sim, muitas omissões não deliberadas, sobretudo, de fatos mais recentes, cuja importância histórica ainda não está galvanizada”, conta o jornalista, que, entre os fatos importantes da publicação, “pelo grau de comoção aferido”, destaca justamente o assassinato de Ari Coelho, que foi tema, inclusive, de um de seus livros.
OURO ENTERRADO
“Das notas curiosas, a que mais me impressionou foi a descoberta da botija no caminho para Nioaque. Sempre ouvia falar em ‘enterros’ de valores, sobretudo, durante a guerra, mas é a primeira notícia que leio sobre esta realidade”, relata Cruz, referindo-se a um episódio pitoresco de 1893, colhido na edição de 1° de junho da Gazeta de Notícias (RJ).
O “cidadão” José Carvalho de Azevedo desenterrou dois “caixões” contendo “valores em ouro, bem como ouro em pé” que encontrou na estrada por onde passou “a força para o Paraguai, havendo aí um grande fogo”. E mais: o cidadão, revela a notícia, deixou a fortuna à disposição do verdadeiro dono.
AMOR E DESAFIOS
“O livro não tem nenhuma revelação extraordinária. É o básico sobre nossa história. Espero que satisfaça a curiosidade dos leitores e estimule historiadores, professores e demais operadores da educação e da cultura histórica a transformarem a nossa história, de simples compromisso curricular, em uma permanente lição de amor a Campo Grande”, emociona-se o autor.
E por que destacar 150 anos, Sergio, e não os 123 anos da celebração oficial desta semana? “Entendo as duas datas [1872 e 1899] como absolutamente corretas, do ponto de vista histórico. Podemos fazer uma analogia com o caso do Brasil, que também tem duas datas relevantes: 21 de abril e 7 de setembro. Preferi cravar os 150 anos para explicar o 1872 que está no brasão de Campo Grande”, defende o jornalista, que arremata a conversa com uma breve análise sobre a Capital.
“Os maiores desafios são, na infraestrutura, um programa moderno de mobilidade urbana e, no social, a aceleração da construção de moradias para controlar a expansão de favelas e o deficit habitacional”, finaliza.