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O Supremo Tribunal Federal (STF) votou contra a validade da legítima defesa de honra, usada na defesa de acusados de feminicídio, na sexta-feira. A advogada criminalista Janice Andrade afirma que a decisão parcial é um passo positivo na luta contra a violência à mulher.

“Infelizmente, essa tese era levantada pela defesa de réus do feminicídio com o intuito de desumanizar a vítima, dizer que ela é culpada, dizer que era promíscua, que ela traiu, sempre com a tese de ‘matei porque traiu’, mas a gente sabe que os homens matam todo dia, não é porque traiu”, comenta Janice.
A advogada relembra casos em que a desumanização e a tentativa de culpar a vítima aconteceram por parte da defesa do réu, como aconteceu com Mayara Amaral, violinista morta pelo companheiro em um hotel de Campo Grande.

O acusado, Luis Alberto Barros, tentou ocultar o corpo da vítima e ateou fogo na tentativa de sumir com as provas.

Apesar de a defesa de Luis Alberto não ter alegado a tese de defesa da honra, Janice Andrade diz que tentaram culpabilizar a vítima, afirmando que Mayara teria seduzido o músico.

O STF começou a análise na quinta-feira, e o ministro relator do caso, Dias Toffoli, afirmou que a tese de defesa da honra é inconstitucional por contrariar os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.

Na sexta-feira, dando sequência à análise, os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, André Mendonça e Kassio Nunes Marques acompanharam o relator com votos contrários à tese e fizeram reflexões sobre o tema, considerando uma tentativa de defesa arcaica e cruel.

Alexandre de Moraes comentou ainda que esse é um julgamento que manda um recado direto ao cidadão de que não será mais admitida a absolvição de uma pessoa que tenha cometido feminicídio com a alegação de defesa da honra do acusado.

O ministro disse ainda que não serão mais toleradas condutas e discursos discriminatórios em relação a gênero.

Dias Toffoli também aceitou a sugestão do ministro Edson Fachin e ampliou o seu voto, abrangendo a permissão de recurso contra decisões de júris que levaram em conta a tese de defesa de honra.
O tribunal retomará as análises em agosto, quando as atividades do STF voltarem do recesso.

CASOS

Em setembro de 2020, a 1ª Turma do STF foi favorável à absolvição de um homem que tentou matar a ex-mulher a facadas em Minas Gerais.

A defesa do acusado fez uso da tese de legítima defesa de honra e conseguiu unanimidade do Tribunal do Júri.

Na ocasião, a votação foi 3 a 2 a favor da manutenção da absolvição, com votos favoráveis de Dias Tofolli, atual relator da análise que visa anular a tese, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber.

Os ministros que votaram contra a manutenção de absolvição foram Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.

Durante o voto favorável, Marco Aurélio disse: “Temos que a lei maior assegura a soberania dos veredictos. O que é julgamento pelo Tribunal do Júri? É o julgamento por iguais, é o julgamento por leigos, a partir dessa previsão constitucional”.

A advogada Janice Andrade informa que a aplicação dessa tese é chamada de “lawfare de gênero”, que é quando mesmo depois de morta a vítima sofre violência, principalmente em razão de julgamentos morais levantados durante o Tribunal do Júri.

“Eu vejo com muito bons olhos isso. O STF demorou, nós estamos em 2023, faz tempo que está essa discussão nos tribunais, deveria já ter acabado com isso há 10 anos”, comenta a advogada criminalista.

DADOS

Apenas este ano, dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) apontam pelo menos 11 casos de feminicídio em Mato Grosso do Sul, sendo os dois últimos registrados em Campo Grande, em um intervalo de dois dias.

Brenda Possidonio de Oliveira foi morta em frente ao filho, de apenas sete anos, pelo seu então companheiro, Lyennan Camargo de Mattos Oliveira. A criança foi quem chamou os vizinhos, que prestaram socorro, mas Brenda não resistiu.

A delegada Analu Lacerda Ferraz disse que as informações a respeito do quarto feminicídio na Capital este ano estão sendo levantadas.

De acordo com os vizinhos que socorreram a criança, o menino perguntou diversas vezes se tinha conseguido salvar a mãe.

Analu Lacerda e Elaine Benicasa afirmaram que a vítima não tinha registrado denúncias contra o autor do crime. Lyennan já tinha boletins de ocorrência por furto, roubo e violência doméstica contra a mãe do próprio filho.

No sábado, outro feminicídio foi registrado na Capital. Natali Gabrieli da Silva Souza, 19 anos, foi morta pelo marido, Cléber Corrêa Gomez, 30 anos, a facadas.

O crime aconteceu na Rua Leopoldina de Queiroz Maia, no Parque do Lageado, e o autor foi preso em flagrante pelo Grupo de Operações e Investigações (GOI) e encaminhado para a Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam), onde prestou depoimento.

Ainda de acordo com a polícia, a mulher foi esfaqueada pelo marido enquanto fugia da residência onde o casal morava.

Ela carregava a filha de 1 ano e 4 meses no colo, mas nem isso impediu o homem de golpear a mulher diversas vezes até que caísse morta a poucos metros da residência.

A criança é fruto do relacionamento do casal e foi acolhida por familiares da vítima após a morte da mãe.
Conforme registrado no boletim de ocorrência, os vizinhos informaram que as brigas entre os dois eram constantes, especialmente quando ingeriam bebidas alcoólicas. Inclusive, o irmão do acusado, que também conversou com os policiais, disse que na sexta-feira aconteceu um desses momentos.

Ainda segundo ele, o casal bebeu durante a noite toda na companhia de amigos e, por volta de 4h30min de sábado, Natali e Cléber começaram a brigar e a quebrar objetos da casa onde moravam.

O cunhado da vítima conta que quando já estava em casa, que fica vizinha à residência do casal, viu Natali passando com a cabeça machucada e Cléber atrás, com uma faca. Ele a esfaqueou até que ela morresse.
Depois de matar Natali, Cléber fugiu, mas foi encontrado na casa da irmã, próximo ao local do crime. Ele confessou e foi preso em flagrante.

Mato Grosso do Sul tem altos índices de feminicídio. Em 2022, foram registrados 42 casos pela Sejusp e, em 2021, foram 34 notificações.