• Fonte: EDUARDO MIRANDA

A entrevistada desta semana é a procuradora-geral do Estado de Mato Grosso do Sul, Ana Carolina Ali Garcia. À frente da Procuradoria-Geral do Estado (PGE-MS) desde março deste ano, Ana Carolina falou ao Correio do Estado sobre três das principais iniciativas da instituição neste segundo semestre: a revisão do estoque de normas, que tem o objetivo de revogar leis e decretos em desuso no Estado; a solução consensual de conflitos, ação para reduzir o contencioso jurídico dos procuradores do Estado; e também mais uma rodada do inovador acordo em precatórios, que proporciona economia para a administração pública e também uma vantagem para as pessoas que têm o dinheiro a receber do governo, que consegue antecipar o crédito.

Sobre os novos desafios da instituição, que conforme Ana Carolina é como se fosse “o escritório de advocacia do governo”, ela enfatiza que a advocacia pública é norteada por princípios e que “tem um relevante papel na garantia da aplicação das normas para assegurar segurança jurídica, igualdade e justiça”.

Ana Carolina Ali Garcia – PERFIL

Ana Carolina Ali Garcia ingressou na Procuradoria-Geral do Estado em 2005. Antes de assumir o cargo de procuradora-geral do Estado, passou pela Consultoria Legislativa e por vários cargos dentro da PGE.

É graduada em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e cursou MBA em Parcerias Público-Privadas e Concessões da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), ministrado parcialmente em Londres, na Inglaterra.

Formada pela Fundação Dom Cabral no Curso de Conselheiros. Confira a entrevista:

Uma das grandes novidades da Procuradoria-Geral do Estado são os acordos gerais em precatórios. Gostaria que detalhasse qual foi a inovação desse tipo de acordo e se ele já está servindo de exemplo para outras unidades da Federação.

De fato, o tema que inaugurou a Câmara Administrativa de Solução de Conflitos da PGE-MS foi o acordo direto em precatórios, que é fruto de uma autorização constitucional para pagamento antecipado de dívidas do Estado decorrentes de decisão judicial transitada em julgado [definitivas].

Nesse ambiente, há uma negociação entre o poder público devedor e o credor [pessoa física ou jurídica] mediante a aplicação de um deságio sobre o valor atualizado da dívida judicial [de 5% a 40%], nos termos do decreto estadual e do edital que regem esse acordo.

Para o cidadão, representa a disponibilidade do recurso decorrente da condenação judicial de forma antecipada.

Para o Estado, ele salda a dívida de precatórios com desconto e libera essa despesa, o que retrata um instrumento de saúde financeira, com abertura de espaço para investimento em outras áreas, crescimento, estabilidade e justiça. A PGE-MS já publicou 6 editais visando a esse acordo direto.

A inovação neste último edital que se encontra em trâmite foi a possibilidade de o interessado manifestar interesse no acordo mesmo antes de se ter um precatório no TJMS, desde que os valores devidos pelo Estado estivessem homologados pelo juízo.

Quanto ao acordo em andamento, há aproximadamente 2.500 pedidos formulados [e um pedido pode contemplar vários interessados], 550 já quitados e os outros em processamento. A esse número ainda somaremos as manifestações de interesse no acordo formuladas nos processos de cumprimento de sentença.

É uma experiência exitosa e que tem sido divulgada em espaços acadêmicos pelos procuradores e em grupos de trabalho com as procuradorias das outras unidades da Federação.

 

Como é essa atuação da PGE na solução consensual de conflitos?

O momento é de prevenir litígios, incentivar a resolução consensual de conflitos e reduzir a insegurança jurídica.

O esgotamento do sistema tradicional de Justiça nos chama à implementação de formas adequadas de pacificação social buscando celeridade, eficiência, menor oneração e decisão adequada.

A PGE-MS, em 2017, por meio de resolução, instaurou a Câmara Administrativa de Solução de Conflitos. O primeiro tema levado à Câmara referiu-se aos acordos em precatórios, juntamente com o Tribunal de Justiça.

Na sequência, pedidos de medicamentos e insumos na área da saúde, com um projeto-piloto na Capital e com proposta de extensão para todos os municípios do Estado; matéria relacionada à responsabilidade do Estado de arcar com honorários periciais, dispensando-se a intimação e a manifestação da Fazenda Estadual em ações cujos honorários tenham sido fixados em valores não excedentes aos fixados na Resolução CNJ; e demandas relativas a isenções de IR de aposentados e pensionistas por moléstias graves.

 

A procuradoria também implantou recentemente um programa de revisão do estoque de normas, qual a importância para o Estado e para a sociedade?

A revisão do estoque de normas em desuso ou já superadas por outras tem por objetivo melhorar o ambiente normativo com a redução de sua complexidade e da insegurança jurídica. Com isso, busca-se um estado mais ágil, mais leve e com maior capacidade de entregar políticas públicas e serviços públicos.

O trabalho da comissão resultou, em 18 meses, na revogação de mais de 65% dos normativos vigentes [dos mais de 14 mil analisados, mais de 9 mil revogados].

Quanto mais clareza tivermos sobre qual norma deve ser aplicada no caso concreto, com certeza maior segurança jurídica terão o gestor, o cidadão, o servidor e aquele que julga.

O trabalho técnico desenvolvido reflete no âmbito da administração pública, da iniciativa privada em geral, dos empresários, dos usuários do serviço público e até de outros Poderes, como o próprio Judiciário, que, ao julgar, tem de analisar a norma aplicável.

 

O aumento da arrecadação é um fato, a que se deve?

O resultado decorre de um trabalho cada vez mais especializado, desenvolvido pelos procuradores do Estado e servidores da área tributária, da dívida ativa e de parcerias realizadas para cobranças mais efetivas e racionais, que geraram a modernização da cobrança via aperfeiçoamento do sistema da dívida pública, os protestos, os tetos para ajuizamento, a atuação conjunta com os cartórios e instituições [postos de atendimento dos cartórios na PGE; postos da PGE no TCE e em outros espaços de atendimento ao público] e o incremento dos recursos humanos.

 

A judicialização dos pedidos por tratamento de saúde certamente é um dos grandes gargalos da administração pública. Existe uma solução para, no curto ou no médio prazo, reduzir esse contencioso e ao mesmo tempo garantir um atendimento minimamente satisfatório à população? A baixa abrangência territorial da Justiça Federal faz com que a União, que é a grande financiadora do SUS, deixe para os estados e municípios a maior parte deste contencioso que também é dela?

A PGE está sempre em busca de soluções para evitar a judicialização de matérias que podem ser resolvidas na seara administrativa.

Nesse caminho, há o trabalho de consultoria e assessoramento jurídico e a atuação na Câmara Administrativa de Solução de Conflitos, inaugurada mediante protocolo institucional com a Defensoria Pública, que atualmente abrange Campo Grande e está em vias de ampliação para as macrorregiões do Estado.

Aprender boas práticas para buscar um constante aprimoramento do nosso trabalho, atuar no desenho de políticas públicas efetivas e seguras e conferir cada vez mais celeridade às compras de medicamentos e insumos e ao cumprimento das decisões judiciais estão entre os objetivos das unidades especializadas em saúde e em compras públicas da PGE.

Pluralizamos o debate com outros órgãos e instituições envolvidos nesse processo, buscando sempre a sustentabilidade do sistema público de saúde, imprescindível à população.

Em março deste ano, as Turmas Recursais Mistas dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado de Mato Grosso do Sul acataram tese da PGE-MS e afirmaram a necessidade de inclusão da União Federal no polo passivo de ações que visam ao fornecimento de medicamentos não padronizados no SUS, em observância à repercussão geral fixada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 793.

De fato, é o Ministério da Saúde que detém competência para incorporar novos medicamentos, produtos ou procedimentos, bem como a constituição ou alteração de protocolos clínicos ou de diretriz terapêutica.

 

Recentemente, uma nova turma de procuradores do Estado tomou posse já na nova sede da PGE, qual a expectativa?

O ingresso acrescenta à nossa instituição a força intelectual necessária para tratarmos de temas complexos e desafiadores que marcam o nosso tempo e cada vez mais vêm exigindo atenção, sensibilidade, preparo e visão inovadora.

Com essa renovação dos quadros, buscaremos ampliar ainda mais a atuação institucional, a partir de um corpo qualificado, comprometido e com perfil voltado à advocacia pública.

Avançamos com nossa atuação na Administração Indireta e reforçamos a exercida na Administração Direta e, com isso, aprimoramos e exercemos com maior efetividade a defesa dos interesses do Estado de Mato Grosso do Sul.

 

Toda a transição para a incorporação das atividades na Administração Indireta já ocorreu? Como foi a absorção desta demanda?

As atividades de representação na esfera judicial da Administração Indireta já estão todas incorporadas pelo corpo de procuradores do Estado. E, atualmente, estamos implementando a atuação administrativa, no âmbito da consultoria e do assessoramento jurídico.

Recentemente, foram editados os atos de criação das Coordenadorias Jurídicas da PGE nas autarquias e fundações e de designação dos procuradores do Estado para atuarem nesses espaços.

Realizamos, na sequência, reuniões de trabalho com o corpo técnico e jurídico de cada uma dessas entidades, buscando entender as demandas, a realidade e as especificidades para entregar um serviço de assessoramento, consultoria e representação judicial adequado, efetivo e de qualidade.

 

Qual o papel do procurador do Estado no assessoramento da implementação das políticas públicas? Muita gente ainda vê o procurador atuando apenas no contencioso.

A PGE é o grande escritório de advocacia do ente público, o Estado de Mato Grosso do Sul. Os procuradores do Estado atuam tanto no consultivo quanto no contencioso, judicial e administrativo, em demandas de interesse do nosso estado.

Exercemos o assessoramento jurídico do gestor, orientando na tomada de decisão e na prática de atos administrativos, com foco na constitucionalidade e na legalidade. Com isso, evitamos a judicialização e contribuímos para a adequação das políticas públicas [saúde, segurança, educação, regulação de serviços públicos, compras públicas, infraestrutura, por exemplo].

No campo contencioso, atuamos nos processos administrativos em que o Estado é parte e também nas ações judiciais em que ele ou suas autoridades figurem como réu ou interessado ou, ainda, propondo ações em nome do Estado na qualidade de autor.

Portanto, a PGE representa o Estado na esfera judicial e extrajudicial e defende o interesse público e, consequentemente, o interesse de toda a sociedade.

 

Em sua opinião, a advocacia pública sofreu transformações nos últimos anos? Quais os próximos desafios?

A advocacia pública tem um relevante papel na garantia da aplicação das normas para assegurar segurança jurídica, igualdade e justiça. Essa advocacia de estado é norteada por princípios.

E neste cenário, a independência técnica, uma inovadora visão sobre administração pública, a inteligência artificial, a complexidade e a especialidade dos conflitos sociais que exigem meios adequados para sua solução são alguns dos desafios postos.

No âmbito da PGE-MS, o planejamento estratégico e as medidas gerenciais adotadas, com a criação da política de governança e do comitê gestor, associados ao trabalho assertivo de cada especializada e coordenadoria, de cada procurador na sua lotação e dos nossos servidores, demonstram resultados com reflexo em nossas missões diárias.

São exemplos dessa transformação e dos avanços na PGE: a simplificação ao acesso aos serviços públicos, trazida pela revisão do estoque de normas; o assessoramento nas parcerias estratégicas no setor de infraestrutura, nas compras públicas e na orientação jurídica quanto às condutas eleitorais; a normatização de tantas políticas públicas e a internalização de marcos legais, como a nova Lei de Licitações; a potencialização da Câmara Administrativa de Solução de Conflitos, o incremento na arrecadação tributária, o alto número de acordos em precatórios com redução da despesa pública, a combatividade no âmbito judicial, somada à proatividade no acompanhamento de ações de impacto para o Estado, inclusive com atuações conjuntas com os outros entes da Federação pelo Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do DF; a consolidação na seara consultiva, com a presença da PGE na Administração Direta e Indireta; e a contínua capacitação por meio dos inúmeros cursos no âmbito da nossa Escola Superior.