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A mulher de 44 anos, espancada pelo policial militar no restaurante em Bonito, veio para Campo Grande fazer a denúncia na manhã desta segunda-feira (23).

Em entrevista,  ela explicou o que chamou de piores momentos da vida dela.

“Eu fico feliz porque não vai ter mais pessoas para sofrer na mão dele. Depois do que aconteceu comigo, aconteceu com outras pessoas também, então não sou só eu a vítima. Ele está acostumado a usar o poder dele como polícia para desferir a raiva e o despreparo que ele tem, então ele não teria honra de vestir a farda ainda mais porque se diz proteger”, relatou.

Nesta segunda-feira (23), o governador do Estado de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), determinou o afastamento imediato do segundo-tenente da Polícia Militar, André Luiz Leonel.

A decisão do governador ocorre um dia depois de a Polícia Militar de Mato Grosso do Sul ter informado que abriria um inquérito policial militar, e que relativiza as agressões, informando que a vítima era suspeita de ameaça, desacato, danos ao patrimônio, resistência à prisão e embriaguez.

Ela disse que fará o exame de corpo de delito nesta tarde e depois irá até à sede dos Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MS), para conversar com o presidente. Em relação à divulgação das imagens ela relatou uma mistura de sentimentos.

“Eu me senti acuada e me senti feliz porque agora com tudo isso acredito que até meu marido vai acreditar em mim, porque ele não acreditava que outro policial faria isso invés de proteger”.

O caso

A vítima relata que ganhou passagens para Bonito do marido e foi com as três filhas para o município na sexta-feira, mas só conseguiu reservar a pousada para sexta e domingo, pois no sábado o local já estava lotado. “Viemos para a cidade e procuramos pousada. Procurava em uma e eles indicavam outra, fui em três até que indicaram essa última na qual tinha vaga e me hospedei nela”.

Quando chegou na pousada, a família foi para o restaurante em frente ao local para jantar e comprou quatro refeições. A dona do restaurante pediu para que o pedido fosse buscado após meia hora.

“Fui para a pousada, tomei banho e dei banho na bebe e ela já começou a surtar querendo a comida. Fui até o restaurante e perguntei se já estava pronto os pratos, ela falou só um minuto e entrou na cozinha”.

A mulher agredida explica que quando a funcionária do restaurante voltou se recusou a atende-la e disse que não entregaria o pedido que fez. Ela também começou a gritar e empurrar a vítima de agressão.

“Quando ela me empurrou eu caí no chão, com a bebê, ai deixei minha bebê no chão e fui para cima dela. Minha filha vendo isso veio e falou ‘mãe não precisa, vamos para casa’. Fomos para o apartamento, aí demorou 5 a 10 minutos a polícia chegou”.

A polícia chegou no apartamento e a mulher de 44 anos explicou que precisava de alguns minutos para acalmar a filha, que possui autismo. Nesse momento, o policial militar, Leonel, a puxou pelo cabelo e levou a mulher até o camburão.

“Lá na frente a dona do restaurante estava ali e falou ‘você não vai prender ela?, você veio só para ficar olhando?, não vai prender essa vagabunda?’, falei que ela não me conhecia para me xingar e o policial me mandou calar a boca”, relata.

Antes de ser levada a delegacia, a vítima pegou o celular para ligar para o marido, também PM. O tenente pegou o telefone, jogou no chão e mandou ela calar a boca. Então, os policiais a algemaram e levaram para a delegacia.

“No caminho ele foi me falando que eu fazia programa, que ele já sabia da minha vida e eu falei que ele não me conhecia e que era para chamar meu marido. Aí ele abriu o camburão e deu mais um tapa e falou ‘cala boca’”, detalha a vítima.

Ao chegar na delegacia, o policial afirmou que os filhos da vítima seriam levados pelo Conselho Tutelar. “Eu entrei em desespero porque minha filha não fica longe de mim. Eu falei ‘me dá meu telefone para eu ligar para o meu marido’, na hora que eu levantei, ele me segurou e me empurrou e aconteceu toda aquela cena”.

A mulher explica que a filha conseguiu falar com o pai quando chegou ao abrigo. O homem estava em Corumbá e chegou em Bonito em três horas. Ele buscou as crianças e se dirigiu para a delegacia da Polícia Civil.

“Fiquei ali 48 horas, foram as piores horas da minha vida, ai nesse decorrer ele ligou lá na polícia, tentou falar com o tenente, mas ninguém atendeu ele. Fui sair no domingo a noite, pagamos a fiança de 2 mil reais”, explicou a mulher.

A vítima ainda destaca que a acusação da polícia de que ela estava embriagada é falsa. “É mentira, tudo isso foi porque eles não tinham como me conter presa, a mando da senhora do restaurante, eu acredito que como ela dá comida de graça para eles, ela cobrou uma posição”.

Com a violência, a mulher ficou com hematomas no peito, nas costas, no braço, e dor nas costas por causa do chutes do policial.

“Ninguém me bateu a não ser o Leonel, ninguém encostou em mim a não ser o Leonel. Ele que a todo momento me espancou, nem me bateu, me espancou”.

Versão do restaurante

A história começou com uma confusão em um restaurante de Bonito. Quem discutiu com a mulher agredida pelos PMs foi a proprietária do estabelecimento, Silvana Sharmam, de 38 anos.  Sharmam afirmou que não houve contato físico entre as duas.

A mulher de 44 anos estava hospedada em uma pousada na frente do restaurante. Por volta das 18h30, ela foi até o estabelecimento para fazer um pedido, ao que foi atendida por Sharmam, que estava limpando as mesas e organizando o local para abrir o restaurante.

“Ela chegou as 18h30 e pediu se tinha alguma coisa para comer. Mostrei o cardápio, mas falei que a gente só começa às 7h e perguntei se queria que eu levasse depois lá na pousada, ela concordou e falou ‘tá bom, você leva lá porque eu estou com as crianças’. Nisso ela tava com a lata de cerveja na mão”, relatou.

De acordo com a proprietária do restaurante, ela voltou às 7h com a filha de 3 anos, que é autista, para cobrar o pedido que havia feito. “Ela falou ‘eu to aqui ha 3 horas esperando’, ai meu marido explicou que não tínhamos aberto e ela começou a xingar a gente”.

Sharmam alegou que neste momento estava na cozinha e que quando saiu para a atender, a mulher teria se exaltado.

“Hora que ela me viu, ela veio para cima de mim e começou a me chamar de vagabunda. Ela pendurou a criança do lado, com uma mão na criança e com a outra ela pegou garrafa e copo e começou a atacar em mim. Começou a falar que ia tacar fogo nessa bosta, chamava a gente de bosta. Ai eu falei que ia chamar a polícia e realmente chamei, ai ela ficou histérica”, apontou.

A proprietária alegou ainda um cliente, que aguardava no local, segurou a mulher enquanto a mesma atacava os objetos. “Tem testemunhas aqui, não tivemos a luta corporal que ela falou, ela não me encostou a mão, nem nos encostamos”.

Ainda de acordo com a proprietária, a filha mais velha da mulher teria escutado a discussão e foi até o local. Ela pegou a irmã de 3 anos no colo e acalmou a mãe.

Sharmam disse que a polícia chegou por volta das 7h15, momento que a mãe já tinha voltado para a pousada com as filhas. Quando a polícia chegou, a proprietária relatou ter escutado gritos da mulher contra os policiais, “porque ela não queria ser presa de jeito nenhum”, mas disse que não houve agressão física.

“Mas nada justifica a agressão dos policiais. Eu só fui ver o que aconteceu na delegacia agora, pelos vídeos, nada justifica terem agredido ela”, defendeu Sharmam.

“Em momento nenhum eu ofenderia uma criança, ainda mais uma criança especial, porque eu tenho duas na minha família. O restaurante está recendendo muitas críticas nas redes sociais e estamos com medo de perder clientes por causa disso”, afirmou a proprietária, e pediu para que o nome do estabelecimento não fosse divulgado.

Por:   Ana Karla Flores, Gabrielle Tavares

Imagem: Valdenir Rezende